Mais uma brincadeira, esta no estilo Eduardo e Mônica.ROBERTA & FERNANDO
Berta tem bebido demais e quanto mais bebe, mais fuma e mais despudorada se torna. Quem a conhece sóbria, coisa que tem se tornado cada vez mais rara, não a reconhece quando sob efeito dos vapores etílicos. No popular: Quando chapada! Uma depravada... Se não chega a tanto, passa perto. O vocabulário, um espanto... (Dis)puta palmo a palmo com o de uma bichinha irada no calçadão de Copacabana. De seus lábios frouxos escapam, tropeçando na língua e nos dentes, impropérios capazes de fazer corar a mais ordinária das prostitutas do cais do porto e a compostura de seu traje, após uns tantos tragos, completam o estrago... Mas, todos concordam: Berta é gente boa, e bonita. Bastante bonita embora um tanto cheiinha. Alegre e descolada e por isso mesmo sempre rodeada por amigos, a maioria deles homens.
Fernandinho, ao contrário, é o tipo do rapaz certinho. Desde sempre tão arrumado e comportadinho que, quando menino, as más línguas afirmavam que não escapava de representar uma Colombina num futuro desfile na Sapucaí. Não se fantasiou, mas continuou sendo o arrumadinho da Titia Vera: Os cabelos bem aparados e rigorosamente penteados, os sapatos polidos a espelho, a camisa, impecavelmente passada, abotoada até o colarinho... Enfim, um babaca. Se não chega a tanto, passa perto. E por isso mesmo, um solitário.
Dois seres absolutamente díspares: Menino Jesus e o filhote do capeta, São Francisco de Assis e o devastador de florestas tropicais, Conde Drácula e a cruz... Mas quis o destino que essas figuras se encontrassem.
Estava Fernandinho comportadamente sentado num banquinho junto ao balcão, tendo na sua frente uma média de café com leite, pão torrado com manteiga e o Jornal do Comércio, quando Berta, dirigindo-se com alguma urgência para o banheiro, tropeçou num palito e mais desequilibrada do que de costume, lançou-se ao encontro dele. Por sorte, naquele momento, as mãos de Fernandinho encontravam-se desocupadas, podendo então ele a aparar: As duas mãos espalmadas contra os peitos de Berta. Alguns segundos de surpresa e indecisão, a urgência de banheiro escorrendo pernas a baixo e um súbito bofetão na face esquerda de Fernandinho... Embasbacado, tudo que ele atinou fazer foi esticar o braço e lhe oferecer uma torrada com manteiga.
- Manteiga uma pinóia! Margarina. - Exclamou ela com aquele sotaque de carioca suburbana. E dirigindo-se ao garçom: - Desce uma vodka! - Que veio e foi tomada de um só gole. - - - “Desce outra!”... – Pediu batendo o copo vazio contra o balcão.
Uma fada, uma ninfa, uma criatura divina de um mundo encantado e que delicadeza, que doçura de mulher... Instantaneamente apaixonado, era assim que Fernandinho a via. Hipnotizado, sem desgrudar os olhos da inusitada musa, as palmas das mãos incendiadas pelo calor dos seios de Berta, a viu entornar, em minutos, quatro ou cinco doses de vodka.
- Tais olhando o que, mermão?- Perguntou ela, irritada.
- Ah, vai te fuder. – Berrou, enquanto descia do banco.
Banco alto, centro de gravidade deslocado, equilíbrio instável, não deu outra: Despenca Berta em direção ao piso, arrastando um apavorado Fernandinho... Primeiro ele por baixo, depois por cima, de novo por baixo... Um agarra-agarra, um rola-rola, um desvencilha-me-abraça, sem fim, até que, muitos trancos e encontros e desencontros depois, quedam-se imóveis no ladrilho do bar. Berta: ronronando; Fernandinho: Olhos sonhadores, cigarro pendido nos lábio, teve ainda tempo de ordenar ao garçom:
- Desce uma vodka!
Antes de se desfazer e evaporar...