quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Um leve toque de desleixo

Não sei se nosso pai foi um homem bonito – talvez não para os padrões de beleza atualmente estabelecidos. O que sei é que mamãe se mordia de ciúmes dele e que ele não regateava gentilezas e charme para com as mulheres, bonitas ou não (especialmente, é claro, para com as mais belas), que por uma razão ou outra haviam decidido nos visitar em Paulo Freitas e mulheres, todos sabemos, são sempre iguais... Assim, não era incomum constatar, para a exasperação de mamãe, uma ou outra (ou várias... ou todas) se derretendo ante o seu cavalheirismo.

O fato inegável é que ele tinha um jeito todo especial no trato com o sexo oposto.

Não que isso significasse a intenção de conquista... Não, não se tratava de disto. Apenas era de sua índole: Um galanteador, um gentleman... Mas, justiça seja feita, era para mamãe que ele dedicava o melhor de si.

Eu, lá pelos meus dezesseis ou dezessete anos de idade, admirava aqueles seus atributos e me esforçava, sem muito sucesso, para me apresentar equivalentemente perante minhas amiguinhas e, para tanto, ficava atento à sua doutrina e foi assim que descobri o tal de “um toque de desleixo”:

Foi quando me aprontava para um baile “julino” do Colégio Estadual Dr. João Batista Hermeto. Ajeitei-me: Brilhantina nos cabelos, calça quadriculada “boca sino”, camisa verde claro e, sabendo que para ser “o bom” só me faltava alguma gaita e um casaco marrom, que eventualmente eu tomava emprestado com ele e que eu acreditava “me dar sorte”...

Quanto à gaita, provavelmente ele me deu tudo (e certamente não era muito) o que tinha no bolso. O casaco me cedeu com muita boa vontade, mas o melhor foi: Enquanto me ajudava a acertar as golas (casaco marrom x camisa verde claro), ele, desalinhando um pouco meu topete, abrindo o colarinho e afrouxando a camisa de dentro calça, me segredou:

- Homem, para ficar bem tem que estar “nos estrinques”, mas com leve toque de desleixo.

Creio acabei levando a sério demais sua recomendação, pois passada a fase de “bom menino” – se é que realmente o fui algum dia – o “leve toque de desleixo” foi adotado como “desleixo integral”, e barba por fazer, cabelos desgrenhados, roupas enjambradas, no mais fiel estilo hippie, foram incorporados, por um longo tempo, ao meu visual.

Um comentário:

  1. Gostoso poder saber um pouco mais de papai.Acho que ele conseguiu deixar um rastro bem marcado na vida de quem teve a felicidade de conviver um pouco com ele.
    Tarlei

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