sábado, 5 de fevereiro de 2011

Quitanda



(Foto retirada da internet - Não se trata da "Casinha do Forno", da Fazenda dos Coelhos, em Paulo Freitas)





As primeiras a sair eram as pamonhas... Não as pamonhas como as que hoje se conhece, talvez até fossem broas de milho, contudo nós as conhecíamos como pamonhas, então, pamonhas são. Mas antes disto um delicioso ritual se processava.

O termo “quitanda” tem origem africana, quibumbo-kitanda, que significa mercado de doces, doces de tabuleiro ou qualquer doce de forno.

Lá em Paulo Freitas, na Fazenda dos Coelhos, as delícias ganhavam vida na “casinha do forno”, a primeira de três “casinhas” em meia água, geminadas, construídas no amplo terreiro cimentado, no fundo da qual se erguia um majestoso forno em alvenaria, tudo construído segundo projeto e administração do empreendedor Milton Ferreira.

A primeira coisa a se fazer era aquecer o forno. A técnica era simples: Escolher lenha de boa qualidade e seca (A melhor é a “lenha do mato” – afiançava Sá Eurides); arranjar a lenha, os gravetos e a palha de milho no forno; atear o fogo – com a porta e escotilha abertas para que se formem as labaredas; fechar e vedar porta e escotilha, para formar um braseiro e quando a temperatura estiver ideal varrer o forno com vassouras de alecrim-do-campo (até hoje sinto o cheiro da essência exalada pelo alecrim aquecido!). Para se determinar a temperatura ideal do forno usa-se a palha do milho, que se retorce sob o calor, assumindo uma cor castanho-escuro que é indicativa da temperatura adequada ou, mais fácil, a experiência de uma boa quitandeira, que lá em casa era a Sá Eurides. Melhor não havia nas redondezas!

Enquanto o forno aquecia, ou até mesmo antes de aceso, ocorria a preparação das “massas”. Tudo, ou quase tudo, nas “gamelas de pé” ou “simples”. Lá em casa havia uma “gamela de pés” que foi fabricada - não sei por quem – em peroba rosa e que era constituída por duas “cubas” grandes, escavadas em um único tronco, a estrutura de suporte e os pés; e várias “gamelas simples”. Nesta empreitada de preparar as massas, D. Lilia não apenas supervisionava as atividades, mas também participava ativamente da lida, literalmente “metendo a mão na massa”.

A nós crianças cabia meter os dedos sujos naquelas massas cremosas, chupar, meter de novo os dedos, e ser enxotados por Sá Eurides.

Depois era enrolar as pamonhas em folhas de bananeira, enrolar os biscoitos de polvilho e os biscoitões, torcer as bolachas, trançar as roscas e tudo mais que D. Lilia julgasse adequado. Distribuir simetricamente nos tabuleiros de alumínio e levar ao forno para assar, segundo ordem estabelecida pela quitandeira, Sá Eurides, com a anuência de D. Lilia. Certamente essa ordem foi estabelecida em conformidade com a temperatura do forno, que diminuía com o decorrer do tempo. Assim, como já foi dito, primeiro eram as pamonhas, depois as broas de milho, os biscoitos pesados (biscoitões), os biscoito de trigo, os pães de queijo, as bolachas, as roscas e, por último, os biscoitinhos, ou biscoitos de polvilho. No fim da tarde, usualmente, entrava um lombo ou pernil de porco e que só sairia no dia seguinte, com um sabor indescritível (como diria o Thiago: de comer orando! – Ou seria o Lucas?).

Nas férias de julho, bastavam duas fornadas. Eram suficientes para abastecer a prole esfaimada durante o mês e ainda levar uma boa quantidade para a cidade. Nas férias de dezembro, eram requeridas quatro ou cinco fornadas, dependendo da quantidade de amigos, parentes e afins que vinham passar férias na lendária Fazenda dos Coelhos.

Tudo isso foi escrito apenas para dizer da saudade daqueles cheiros, daqueles sabores e daquela alegria que, pelo menos para mim, é inigualável.

3 comentários:

  1. adorei o novo visual,o texto uma viagem a minha infancia beijos naira

    ResponderExcluir
  2. faço das palavras da Dindi minhas. saudades mesmo a mim que não conheci o afamado forninho (ou, pelo menos, dele não me recordo), mas que tive o privilégio de conhecer tais cheiros e sabores de D. Lilia; eu, que quando pequeno no Sítio, acordava com o galo só pra comer a broa quentinha da Vovó e depois voltava pra cama... e que privilégio!!!

    ResponderExcluir
  3. Quantas lembranças,tenho muito orgulho de ter tido o prazer de ter participado de algunas destas atividades.Lembram da arrumação de porco.Matança, preparo da carne de lata,linguiças etc.
    Tarlei

    ResponderExcluir