Tirei o telefone do gancho. Fitei os números pausadamente. O impulso que me levara até ali tinha um quê de misterioso, de sobrenatural. Afinal, seria possível alguma resposta? Algum interlocutor? Mas por que, então, a insistência? Por que agora a repetição desses dígitos tão familiares?
Em minha primeira tentativa sequer passei do 0. O indicador subitamente estancou, pairando no ar, inseguro, trêmulo. Senti que, ao finalmente pressionar a tecla 6, um portal me seria aberto, uma passagem a décadas extintas irromperia daquele tom, um tempo estritamente irmanado com o presente em luto se ergueria do passado e se apresentaria aos meus ouvidos. Senti que o som da campainha, reverberando pelos espaços vazios da casa, poderia ser escutado por alguém que lá já não estava, mas que, por haver estado outrora, pudesse me atender de sua margem da existência, de sua freqüência a mim ininteligível.
Sim! Um portal!
Fiquei maravilhado com pensamento tão abstrato e os dedos afoitos, nesse delírio de febre, voltaram-se novamente ao processo. Dessa vez, porém, com impávida segurança. E o 0, com seu jeitão de operador telefônico, foi enfim pressionado com vigor e vontade. Mas novamente sobressaltou-me o receio pelo desconhecido, um arrepio gélido me açoitou a espinha, interrompendo a espera, arremessando o telefone de volta ao gancho.
Mas e o portal recém-descoberto? Que se faria dele?
Depois de alguns minutos de um transe perplexo, em que meus olhos se arregalaram e em que meus pensamentos se estranharam com violência, voltei ao bendito telefone. E dessa vez, no afã de desmitificar a ilusão criada, de assenhorar-me da razão destituída, fui enfático e determinado. Executei todos os números pausadamente, seguro do meu gesto, e com o semblante tomado de apreensiva excitação deixei com que o tempo agisse por conta e com que o som se manifestasse através do espaço.
O telefone tocou, tocou, tocou e tocou. Uma lágrima me escorreu, escorreu, escorreu e escorreu. Não havia portal. Não havia ninguém.
Tiagão,imagine quantos de nós não tivemos menção de pegar o telefone e discar.Mais infelizmente nos tocamos e paramos com uma sensação enorme de solidão.
ResponderExcluirBeijão
Tarlei