sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Causos de Milton Ferreira
(A batalha no vagão da RMV)\
Fez parte de minha história, nos meus tempos de menino – e também nos meus anos adolescentes – a RMV: Rede Mineira Viação (também conhecida maldosamente por “Ruim ‘Mais’ Vai”; complementarmente, meu pai, algumas vezes, um gozador, quando avistava sobre aqueles trilhos vagões da RFFSA – Rede Ferroviária Federal S.A. – dizia tratar-se da ‘Rede, Farsa, Fingida, Sem Aducação’), uma rede ferroviária que unia os municípios de Barra Mansa, no estado do Rio, e Ribeirão Vermelho, em Minas Gerais, num percurso total de 295 km, que demandavam, quando as locomotivas já eram a diesel, sem contar os freqüentes e longos atrasos, cerca de oito horas de viagem para serem percorridos de ponta a ponta. Entre estes dois extremos, seus trilhos de aço serpenteavam cruzando várias cidades, vilarejos, povoações, estações e paradas, entre as quais a Estação de Paulo Freitas, distante cerca de seis quilômetros da lendária Fazenda dos Coelhos. Era este um meio de transporte comumente usado para os deslocamentos de ida e volta de Lavras para a Fazenda dos Coelhos.
Creio que muitos de nós, se não todos, têm casos interessantissimos relacionados com aquele “tremzinho mineiro”, também conhecido como “mineirinho de ferro”, ou simplesmente “mineirinho”. Eu mesmo já estive envolvido com vários destes acontecimentos, como por exemplo, as perseguições montadas que empreendíamos, na qualidade de assaltantes, ao longo da várzea do Padrinho Waldemar; a tomada por empréstimo não autorizado do sino da estação; comprar escondido cigarros no vagão restaurante; vender laranjas para os passageiros; e, principalmente, esperar na estação e alegrar com a chegada de um (a) amigo (a), namorada e morrer de saudade quando de suas partidas...
Mas o que eu quero comentar agora é o fato que denominei “A batalha no vagão da RMV”.
O “mineirinho” oferecia duas opções para o transporte de passageiros: a “primeira classe”, um pouco mais cara, e “segunda classe”, a mais barata. Pelo que me lembro, não havia muita diferença entre uma “classe” e outra: Os bancos estofados na “primeira classe” e de madeira na “segunda classe”, as bagagens mais elitistas e os narizes mais empinados dos passageiros da primeira e só. Além disso, havia ainda uma diferenciação nos preços: Isenção de pagamento de passagem para, se não me engano, menores de cinco anos, inclusive; meia passagem (meia) para crianças entre cinco e doze anos, também se não me falha a memória; e passagem inteira (inteira) para passageiros com treze anos ou mais de idade.
A vida nunca foi fácil para nosso pai e a grana quase sempre muito pouca ou quase inexistente, assim a nossa opção, salvo raríssimas exceções, por mim desconhecidas, era a “segunda classe” e isso significava estarmos entre a ralé. Não que isso fizesse alguma diferença para nós, ao contrário, era até mais divertido, mas que o “chefe do trem” nos olhava algum desprezo, ah sim: olhava!
Naquela viagem, papai comprou as passagens para a "segunda classe": Duas inteiras, para ele e mamãe, cinco meias, para embarcar Eu, tio Tarley – que passou as férias em Paulo Freitas, Maria Aline, Humberto e Miriam; e fazendo uso da isenção de pagamento Naira e Milton – creio que o Tarlei, mano, ainda não fazia parte da Troupe.
Um parêntesis: Se fizerem as contas constatarão que minha idade não era assim tão avançada, portanto não tenho na memória todos os detalhes do ocorrido, assim como não tenho total segurança se as pessoas envolvidas eram mesmo as que agora cito. Se alguém tiver mais detalhes, ou constatares algum erro, por favor, fique a vontade para ajustar o texto.
Após longo atraso, embarcamos no “mineirinho” e nos acomodamos num dos vagões da segunda classe, entre balaios, sextos, sacolas, galinhas e periquitos (com algum exagero). Também embarcaram no mesmo vagão: Padrinho Waldemar, Tia Chiquinha e filhos; e lá encontramos Tio Ruy e Tio Celso e respectivas famílias que haviam embarcado em Carrancas – Bons tempos aqueles, o mundo era pequeno!
E fomos nós, no embalo do trem.
- Itumirim... Itumirim... – Veio apregoando o “chefe”, conferindo as passagens e “picotando” as daqueles que haviam embarcado na estação anterior, como nós.
- De quem são estas passagens? – Perguntou ele a meu pai que, por sua vez, reportou a quem correspondia cada bilhete.
- E a daquela menina? – Perguntou ele apontando para Naira.
- Ela tem menos de cinco anos. – Respondeu meu pai.
- Não me parece... – Replicou o “chefe”. – Me apresente a certidão de nascimento.
- Tá me chamando de mentiroso? – Perguntou papai, já se alterando.
- Ainda não... – Retrucou o chefe.
O pau quebrou!
Papai literalmente voou no pescoço do chefe gordinho e ambos foram parar no chão do trem. Agarrado por vários, papai foi puxado de cima do chefe, que levantou com dificuldade, vermelho que nem a locomotiva que puxava a composição e soprando sofregamente seu apito no intuito de alertar a segurança (que, pelo que me lembro, não existia)... Tio Ruy interveio, apaziguador, mamãe tentando conter papai e, creio, a coisa foi resolvida com a promessa de que uma passagem seria comprada em Itumirim, certamente sem o acordo de papai.
Dali para frente a viagem foi uma festa: O que havia sido um incidente (grave, certamente), transformou-se numa épica batalha. Nossa excitação de meninos destemidos era a tônica, cada qual garantindo participação decisiva no embate, que passou a contar com galinhas e paina de travesseiros voando, chefe do trem quase que atirado pela janela entre outras proezas de igual ou maior bravura.
Se Naira tinha cinco anos ou menos não sei...
Provavelmente não.
Em 26 de agosto de 1996 o “mineirinho” fez a última viagem partindo de Ribeirão Vermelho, até Barra Mansa.
(abaixo um link bacana)
http://www.youtube.com/watch?v=jy40gBhXZYA
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Também fui espectador de uma cena de engalfinhamento de nosso velho pai na estação.Tanta luta,tanta gana que estes acontecimentos surgiam como um vulcão.Em outra oportunidade narrarei para vocês este fato.
ResponderExcluirBeijos
O estopim de papai sempre foi muito curto... Por mais que o coração fosse "manso" (será?)!
ResponderExcluirGrande história. Sempre emociona. Tive o prazer, muito tempo atrás, de fazer essa mesma viagem... Inclusive foi para visitá-lo em Volta Redonda, TiColelo. Deus os ilumine. Thiago.
ResponderExcluirTiColelo, lembracas fantasticas,tambem participei de algumas passagens.
ResponderExcluirBeijos a todos.
Douglas
Ei Douglas, você por aqui?! Que bom. Comente sempre.
ResponderExcluirAbração.
E ouso dizer que o Douglas participou dessa mesma viagem. Bons tempos.
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