sábado, 20 de fevereiro de 2010

Nico Cachaça

Lá estava o Nico Cachaça montado num banquinho junto ao balcão de madeira encardida do Bar do Bigode tendo a frente um copo esvaziado pela segunda ou terceira vez de seu precioso líquido: pinga pura produzida na Fazenda Nortão. Tagarela e mentiroso como ele só. Ordinariamente antes que a última gota do primeiro trago concluísse o percurso desde os lábios duros até a boca do estômago já teria despejado pelo menos meia dúzia de mentiras.

Porém não naquele dia.

Pouco se sabia, mas muito se dizia daquele homenzinho franzino, mirradinho, de lábios finos e olhar ladino... Diziam que chegou a Mato Grosso fugido de Minas Gerais depois de ter matado a noiva. Diziam também que a causa do crime foi ter a noivinha se esfregado com o filho do patrão num ralabuxo de fim safra no rancho do fazendeirão. Diziam ainda que o playboyzinho também havia sido furado com pelo menos três estocadas e que não morrera, ruim que era e também porque o socorro veio rápido, ao contrário da vadiazinha bonita que agonizara sem que ninguém a acudisse até a morte, sangrando por vários rombos, todos na região do seio esquerdo. Diziam mais, que estando em Mato Grosso e tendo pegado gosto pelo sangue foi cabra de aluguel matando por dinheiro até quem já lhe havia pago por outros serviços.

Diziam.

Se verdade ou invencionice ninguém ousava averiguar.

A índole falante e os causos fantasiosos que despejava após umas e outras não condizia com a imagem de um frio matador. É bem verdade que sob um olhar mais atento algumas características suas denunciassem uma personalidade cruel. Naquele dia, por exemplo, estavam muito evidentes, especialmente porque, ao contrário de sempre, ele não tagarelava e tinha um olhar ainda mais duro, perdido num ponto inexistente e os lábios repuxados, retesando os músculos da face, a ponto de causar arrepios no destemido Bigode, que o observava pelos cantos dos olhos enquanto enxugava uns copos com pano de prato mais encardidos do que seu balcão ardido, sem ousar em lhe dirigir a palavra.

Lá fora estava a Matilde, uma égua, a qual ele, por escárnio ou saudade, dera o nome de sua ex-noiva e que segundo também diziam lhe fora entregue em pagamento por dar cabo de uma outra zinha infiel. Amarrada no poste retorcido de eucalipto que sustentava uma lâmpada acesa, embora fosse dia, Matilde resfolegava... O pêlos molhados, cabeça pendida, indicavam que fora exigida além do que a idade lhe permitia.

Diziam – essas pessoas falam demais – que em noites de lua cheia, lá pelas bandas de Poconé, ele enfeitava Matilde com as flores do pantanal e pendurado nas suas ancas largas lembrava-se do quanto havia sido feliz.

Diziam.

Essas pessoas falam demais.

Nico Cachaça certamente nunca foi feliz, nem mesmo com a Matilde pessoa.

Nico quis mais uma... Bigode tremendo serviu...

Não bebeu.

Naquele momento rompeu bar adentro capangas de Juvenal, pai de um playboyzinho aleijado lá das Minas Gerais.

Nico matou três, feriu quatro e foi morto por cinco.

2 comentários:

  1. Nico cachaça,interessante figura,com certeza com muitos seus semelhantes por estes sertões brasileiros.Achei ótima a estoria que poderia ser história.Me lembrou o velho Guimarães Rosa no causo A hora e vez de Augusto Matraga, por favor me corrijam se o nome do conto estiver errado.Beijão
    Tarlei

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  2. Que que é isso, Maninho? Um "conto" meu remetendo-o a Guimarães Rosa... Menos, muito menos!

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