domingo, 16 de maio de 2010

Apelo

Hoje faz,senhor, um ano que nos deixou. Alguns afirmam que já nos havia deixado antes da partida derradeira. Nós não cremos. Sempre sentimos um tanto indizível do nosso pai naquele homem de passos rastejantes, olhar atormentado, fala mutilada. Sempre o vimos por detrás da figura medonha do alemão que se avultava no que antes fora. Sempre o reconhecemos nas frases soltas, sábias que assim, no mais que de repente, proferia. Sempre o identificamos no olhar amoroso, cativante com que nos olhava. Sempre soubemos que lá estava o singular homem a quem aprendêramos amar mais do que se previa. Sempre identificamos o lord que habitava nesse espírito cortês, tão apaixonado e apaixonante.
Mas, hoje faz, senhor, um ano que se foi para sempre e sem você, confessamos: um pouco de nós se fez também ausente. A vida ficou assim esmorecida, macilenta, baça....envelheceu. Não perdemos nosso pai, perdemos muito mais, perdemos a referência, a ressonância, o repouso, o reinado; perdemos tanto mais, a intimidade plena de nós mesmos, a entrega de quem se sabe amado amando, o lirismo brincante de quem confidencia...Sem você, a vida ficou assim, esquisita, ficou sem poesia, sua tonta companheira de tantas horas santas.
Hoje faz, senhor, um ano que se foi e nosso peito é só uma saudade infinda, dor que não termina, amor sem vazão. Mas neste suplício, ouço ainda a sua voz: “Deus me pôs numa cadeia”, dita naquela sombria manhã em que mal conseguia sustentar as pernas. Então, senhor, concluo que hoje faz um ano que se libertou. E se não alivia o peito, acalma, consola a alma. Então, meu velho, liberte-se em paz! E que aqui fiquemos nós, ruminando essa nostalgia, aprendendo também a libertar-nos dessa materialidade que tanto nos reduz. E que aqui fiquemos sonhando o reencontro que Ele prometeu!!

Um comentário:

  1. Miriam,
    sem tirar nem por. Você exprimiu o meu sentimento na íntegra. Pensei em escrever algo para o nosso pai, mas você foi precisa. Beijos

    ResponderExcluir