domingo, 20 de junho de 2010

Psicografia?


Não me perguntei por que...
Cheguei em casa.Sinto medo. O peito aperta O vazio enche o espaço.A ausência espalha seu manto fúnebre.O silêncio grita sua presença .Com passos lentos, pesados busco meu canto.Preciso de alguns minutos para estar comigo mesma.Preciso me recompor. Espio meus filhos: trazem os olhos rasos, os ombros caídos, as mãos perdidas, o coração descompassado; os netos também buscam um lugar que lhes seja reconhecível.A mesa vazia transborda a toalha branca .Altar. Devem ter fome. Eu também estou faminta, fome enjoada.Quisera poder preparar um lanche. Por que as filhas não previram a fome? Por que não prepararam algo para comer?O depois sempre vem!Ainda não aprenderam?Vou ao banheiro.Preciso ir ao banheiro.Ali está ela.Sempre me vigiando.Olha aflita pela greta da porta.Comove-me.Quase bati a cabeça na barra de apoio no degrau do banheiro.Nunca me serviu essa barra...a não ser para isso.Inútil. Para ele também não servira. Inútil..Expulsei-o da minha suíte, da minha intimidade.Não, meu Deus não fui eu, foi a doença, maldita doença que o levou.Ela continua ali me vigiando; quero chorar,mas ela está ali, pode ouvir. Não quero que sofra mais.Coitadinhos dos meus filhos amavam tanto o pai.
Que benção, uma alma caridosa trouxe um lanche, completo. A toalha branca está repleta de salgadinhos, pães, bolos,sucos, chocolate quente, queijos...um café divertido diria aquela que afoga o choro.Deus seja louvado!Não saberia como prepará-lo.Há tempos não sei mais fazer as coisas. Não sei o que temos na cozinha, não sei quando a roupa de cama foi trocada. Tive até de fazer uma listinha com o nome dos filhos, noras, genros e netos...pode?Ando esquecida, acho até que tenho a mesma doença.É triste, deprimente...não quero seguir seu rastro, tenho tanto pudor, tanto medo.
Todos se aproximam timidamente da mesa e começam a comer.Respeitosamente comem; parece até que estão comungando. Corpo de Cristo...amém!Todos reunidos. Essa mesma mesa que já foi cenário de tantas festas, tantos natais, tantos reveillons...essa mesma mesa que já foi palco de tanta algazarra, de tanta alegria...Nunca mais, digo eu.Olho meus filhos e busco entre eles meu amado esposo...vejo-o aos pedaços ...no jeito de andar de um, no olhar de outra, no gesto daquele, na voz deste, no agrado de quem me consola, mas ele, ele se foi. Olho os genros e noras...são sim, uma só família!
Nunca mais...
Finalmente me esqueceram.Disse que queria deitar um pouquinho.Sempre respeitaram meu sono.Minha filha muito amada me pôs para dormir. Pedi para não fechar a janela:é só um cochilinho!
São cinco horas.O sol despeja claridade nas brancas casas do morro.Fica bonito.Ele gostava tanto de ver essa tela. Achava extasiante essa luminosidade etérea derramando sobre o mundo.Nestas horas do dia, ele que é poeta, desejava ser pintor: não há palavras que pintem essa beleza, dizia. Olho a luz despejando-se... e aos poucos o branco se dissolve em tonalidades douradas, matizes vermelhos...é o crepúsculo chegando.
Será que ele me vê do outro lado?Será que vê a lágrima que não derrama?Será que ele desarma o desespero?Quebrou o juramento?Quem disse que você está feliz?Não pode estar feliz sem mim!Não pode!Não tínhamos um trato?Por que não me levou?Não, não quebrou. Apenas me deu um tempo para preparar as malas, uma pausa para despedidas. Sou manhosa. Há amores assim, inseparáveis. E eu sei, estarei logo com ele e a nossa cama ,agora tão vazia,vai refletir a luminosidade da tarde dos amantes eternos

4 comentários:

  1. ...Perdoem-me ...queria ter tido tempo de revisar,mas esse post... quase que se "postou"!
    Como dói essa ausência...Fiquem com Deus e sofram com resignição porque o que essa Lilia fez e digno de respeito e perdoem-me, orgulho!

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  2. Santo Deus, Maninha!

    Li seu post na segunda-feira, logo de manhã... Travou tudo. Deu um nó na garganta e os olhos encheram de lágrimas... Cara, ele contém todos os trejeitos, a alma, de mamãe!

    Não me foi possível comentá-lo. Nem tentei, não havia como.

    Hoje, agora, reli o que escreveu. Lindo? É pouco, maravilhoso? talvez não seja suficente...

    Resta a nós agradecer a Deus por ter nos honrado [presenteado] com pais que tantos motivos nos deram, a vida toda, para muito nos orgulharmos!

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  3. E que foto mais doce... Duas lindas criaturas!

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  4. Não sou de comentar, mais esse post não tem como... Revivi aquele momento em toda sua intensidade, e nossa preocupação com oque estaria passando pela cabeça da Vovó. Beijos!

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