quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Cora Coralina

 Não sei se a vida é curta ou longa para nós, mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silencio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura enquanto durar. Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.

***

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O tempo e as jabuticabas



Rubem Alves

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela
menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela
chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir
quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos
para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
 de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário geral do coral.
Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'as pessoas
não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente
humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta
com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não
foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados,
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse
amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'

O essencial faz a vida valer a pena. 


****

domingo, 27 de novembro de 2011

Tenho medo
sinto só
minha alma sofre
todo este enredo
me faz mal
solidão
perto a morte

Talvez ela venha
Ela quem
a morte
às vezes
é melhor
já que não
se tem um norte

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Explicações

Estender o olhar até onde alcança a vista,
antes, sem olhar para trás, apagar as pistas.
Sem divisas...

Abraçar tudo o que a vista abarca
não sem antes abrandar mágoas e marcas.
Seguir...

Explicações são sempre necessárias e inúteis,
justificam apenas os eventos fúteis,
não mais.

Até mais...
***

domingo, 20 de novembro de 2011

Dia 1

Seis da manhã à beira da Fernão Dias. Bom dia! Foi uma noite de viagem tranquila, embora noites em ônibus nunca sejam bem dormidas. Ânimo, rapaz, menino, banana! Bananas as quais, com maçãs e barras de cereais, serão devoradas pelo caminho. A estrada é longa e o caminho é deserto e não há mais lobos maus por esse prado, embora haja outros, em peles de cordeiro. Mas toda atenção é pouca, porque o descanso ao corpo é apenas uma promessa distante, de quilômetros e quilômetros adiante. A mente, porém, de muito boa Fortuna, terá para si todo silêncio dos céus campeiros e todo verdejar das infindas estradas de terra e sonho de nossas Gerais. Avante, que longa será a pernada. O ar é leve e frio e aconselha um desjejum generoso, prontamente atendido, e um bom agasalho, que hesito colocar, afinal, o corpo logo se aquecerá. Alguns passos mais, entretanto, e logo cedo ao frio da manhã e à lua cheia estatelada ao limiar do horizonte: ponho o agasalho. Lucas, ao contrário, que me ensejou colocá-lo, fica com preguiça de revirar sua bolsa e é a ela, a preguiça, que cede. Quem cedeu melhor não sei, sei que meia hora depois já arrancava a dita blusa. Sim, de fato o corpo rapidamente se aquecera, mas qual o preço desses pequenos, desses tênues confortos, hein? Ora, vamos! Somos burguesamente bem aplainados, aclamamos nossos pequenos luxos, pregamos por nossos saudáveis e sustentáveis estilos de vida (será?). Caminhar, todos parecem saber, faz muito bem, mas ao contrário do que manda o costume não rumamos aos shoppings e seus mármores, mármores e mármores; nem compramos os melhores apetrechos e badulaques. Pois se assim, devidamente trajado estivéssemos, e se o praticássemos nas lagoas urbanizadas de nossas capitais, Ibirapueras, Barigüis, Conceições e Pampulhas da vida, então que nos dignificaríamos como eméritos e credenciados praticantes de um nobelíssimo esporte. Mas nada disso, conscienciosamente optamos por vestimentas zurradas e tênis esculachados, por sair à deriva pelas margens da rodovia, dando bom dia a cavalos, a caminhoneiros fritando ovos no acostamento, a senhoras idosas e prosaicas fazendo sabe-se-lá-o-quê, a vagabundos de beira de estrada... Oh, talvez então que esses meninos sejam dois andarilhos sujos! Com um provável pé nos movimentos de contracultura, e talvez mereçam um olhar de suspeita e reprovação. Sim, sim, que nossos códigos são todos bastante transparentes e não há porque mascará-los. Bom, talvez haja, mas um belo foda-se a conveniência! O andarilho sabe por que caminha. Não! Minto! O andarilho não sabe por que caminha, embora caminhe porque saiba. Ambíguo? Paradoxo? Pegadinha? Filosofia vã? Provavelmente, provavelmente... Mas parabéns! Se não compra à primeira vista tudo o que lhe vendem, tiro-lhe o chapéu que um dia ainda hei de usar. Questionar faz bem; é sinal de pensamento próprio; é sinal de que ainda estamos por aqui, entre pares; e será sempre um prazer estar entre vós. Do contrário, que nos importaria? Digressões demais, certo? Então, voltemos; voltemos de pressa ao bom caminho. Da rodovia havia um atalho, ou havia a lenda de um atalho, posto que não encontrado e por isso o desagravo de cruzar quase uma hora por tão inóspito trecho. Ah, resquício desagradável de homens! Não que sejamos misantropos, mas convenhamos: fumaça e barulho são mesmo um pé-no-saco. Sigamos, pois a natureza é pródiga em sorrir aos esforçados e logo nos surgirá a aconchegante estradinha de terra, o magnânimo sol despontará por entre as nuvens mais negras, os pássaros, seus emissários, brincarão em divertidas cirandas, e o delicioso cheiro de esterco, de campo, do mais bruto mato, nos invadirá os sentidos. Há algo de promissor e miraculoso nessas paragens de amanhecer, que os astros parecem criar para nosso prazer. Talvez um fio de esperança aos corações endurecidos. Talvez uma réstia daquela luminosidade matinal, que perfila os primeiros raios numa sincrônica e plástica dança da vida. E não haverá mais nada além da comunhão com tudo que de mais belo, porque de mais puro e singelo e honesto que sobre nós se derramará. E é incrível como a cada passo a natureza mais se embeleza, mais pacífica e mais diversa e tomada por gorjeios e pelos vários gaviões que os vem predar. E é fascinante acompanhar como cada vez mais essa fauna abunda e a flora viceja de uma riqueza absolutamente luxuriante. E como é doce acompanhar lentamente esse transmutar, passo a passo, nuance a nuance, até o esplendoroso sítio que nossos avós floresceram e frutificaram nesse pequeno paraíso encravado ao fim da estrada, aos pés do vale, às margens de águas tão remansas. Viagem ao passado que nos habita. Toda uma vida que regressa e que se encrusta na luz de nossos olhos, como nos olhos daqueles simplórios, daqueles serenos, daqueles sábios senhores da roça: “... ceis tão vindo lá do Crossville? Eita, que ceis tão animado demais! Mas bão pros tempo da cabeça, bão pros nós e pras junta que a cidade empena. Larguei aquela Sumpaulo depois de doze anos trabaiano na Sabesp. Agora cuido da roça devagarzim... Eu, minha preta e os passarim... De manhã cedim, sozim, penso naquela confusão toda e me sinto um pouquim mais abençoado. E ceis tão indo pra onde? Mirto Ferreira? Lilia? Hum... Conheço não... Tão vivo?”

Conversa com o Pai Maior

Estes dias precisando rezar
, eu não conseguia me concentrar aí surgiu este papo.

Senhor,eu rezo pouco.Não consigo me concentrar.
Filho, tada vez que você olha com carinho para o proximo, toda vez que você tem bons sentimentos em relação aos outros,você está orando.
Toda vez que admiras a natureza e vê nela a grandeza da criação,você está orando.
Portanto, filho; digo que você reza o suficiente.
Obrigado Senhor, por me aceitar do jeito que sou.
Filho, Eu te fiz assim, e é assim que Eu quero que você seja.Não deixe a vida te mudar.Eu quero você feliz

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Um copo de cólera

[...]já foi o tempo em que via a convivência como viável, só exigindo desse bem comum, piedosamente, meu quinhão; já foi o tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder contudo no que me era vital, já foi tempo em que reconhecia a existência escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda "ordem"; mas não tive sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o sufoco; é esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agora as minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo estapafurdio - definitivamente fora de foco - cedo ou tarde tudo acaba se reduzindo a um ponto de vista, e você que vive paparicando as ciências humanas,nem suspeita que paparica uma piada:impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta:me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade;me lixo com tudo isso!me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar sozinho, foi consciente que escolhi o exílio, me bastando hoje o cinismo dos grandes indiferentes[...]
Raduan Nassar

Para nós

“Mas o curioso é que viver não é um aprendizado. Um velho de cabelos brancos é tão inexperiente e crédulo quanto um menino, diante da vida. Cai nos mesmos tropeços, o menino ao aprender a andar, o velho que já não pode confiar nas pernas,ao cruzar os passos. E a gente acaba , na vida, no mesmo ponto onde começou. Como a cobra que morde o rabo.”

domingo, 13 de novembro de 2011

Necrológio dos desiludidos do amor

Para comemorar aquele que foi chamado o Dia D, de Drummond

Os desiludidos do amor
estão desfechando tiros no peito.
Do meu quarto ouço a fuzilaria.
As amadas torcem-se de gozo.
Oh quanta matéria para os jornais.

Desiludidos mas fotografados,
escreveram cartas explicativas,
tomaram todas as providências
para o remorso das amadas.

Pum pum pum adeus, enjoada.
Eu vou, tu ficas, mas nos veremos
seja no claro céu ou turvo inferno.

Os médicos estão fazendo a autópsia
dos desiludidos que se mataram.
Que grandes corações eles possuíam.
Vísceras imensas, tripas sentimentais
e um estômago cheio de poesia...

Agora vamos para o cemitério
levar os corpos dos desiludidos
encaixotados competentemente
(paixões de primeira e de segunda classe).

Os desiludidos seguem iludidos,
sem coração, sem tripas, sem amor.
Única fortuna, os seus dentes de ouro
não servirão de lastro financeiro,
e cobertos de terra perderão o brilho ,
enquanto as amadas dançarão um samba
bravo, violento, sobre a tumba deles.
Carlos Drummond de Andrade, in 'Brejo das Almas'

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MINEIROS ........

Durante escavações no estado do Rio de Janeiro, arqueólogos fluminensesdescobriram, a 100 m de profundidade,vestígios de fios de cobre que datavam do ano 1000 d.C.
Os cientistas cariocas concluíram que seus antepassados já dispunham deuma rede telefônica naquela época.

Os paulistas, para não ficarem para trás, escavaram também seu subsolo,encontrando restos de fibras óticas a200 m de profundidade.Após minuciosas análises, concluíram que elas tinham 2000 anos de idade.
Os cientistas paulistas concluíram, triunfantes, que seusantepassados já dispunham de uma rede digital a base de fibra óticaquando Jesus nasceu!

Uma semana depois, em Belo Horizonte , foi publicado por cientistasmineiros o seguinte estudo:
"Após escavações arqueológicas no subsolo de Contági, patinga, timoti,PassQuato, Pós di Carda, Jijifóra,Sansdumôn, Pôso Alegre, Santantoin du Monte, Moncarmelo, Lagoa Dorada,Sanjãodelrei, Beraba, Berlândia, Biá,Belzonte, Bosta do Araguari, Divinópis, Pará de Mins, Furmiga, VernadorValadars, Tiófi Otoni, Piui, Biraci ediversas outras cidades mineiras, até uma profundidade de 500 metros ,não foi encontrado absolutamente nada.
Concluindo então que os antigos mineiros já dispunham há 5000 anos deuma rede de comunicações sem-fio:"wireless".
Nota dos arqueólogos: Por isso se pronuncia "UAI" reless.kkkkkkkkkkkkkkkk. .........

Esse trem de ser mineiro é bão dimais da conta, sô!!!

Rose

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Véspera de Natal (Avesso)

Quase Natal. Noite ainda. Quase dia,lá, no distante dos olhos. Nem bem dia, nem bom dia .E tão noite ainda,os guinchos estridentes de um porco imolado arrepiavam, teciam mortalha nos ouvidos ainda sonolentos. E os guinchos em desespero, esmolavam um pouquinho mais da noite, uma hóstia do sono repousado dos vivos. E os guinchos alfinetantes acordavam almas em sossego. Maria bem que tentara abafar o que implora. O travesseiro ralinho, um nadinha, não era parede para tanta agonia. Agonia maior se doer onde não dói a dor alheia.. Não podia ter dó. Não podia ter dó! A dó (porque é sempre feminina) pede morte lenta. Martírio pro bicho. Quem disse?O de seis dedos na mão direita?Temperinho suado no leite das crianças? Mas como ignorar?Como não desesperar? Aquela selvageria lhe contorcia o estômago, secava a boca, disparava o coração,vomitava o que era. O berro do capado não findava, agulhava. Não podia ter dó!Mas como, se Maria, ela própria, era também oferta adiada.Pelo suplício do animal, hoje quem executava a morte não era o bom nisso. Outro o fazia e Maria pressentia que aquela suposta inabilidade era a satisfação de um prazer medonho. Vingança anunciada. Pai ficava aborrecido, não gostava de ver judiar da criação. Ah,não! Depois, ainda no antes do dia, o silêncio. O silêncio mais aterrador que os berros. Depois, a fogueira acendeu o dia. Crepitando, aplaudiu a morte. Um cheiro de palha queimada, de pele tostada, um cheiro invadindo toda fazenda, narcotizando todo pesar.
A casa amanhecera em polvorosa, muito que fazer,divertia-se Papai. Muito que preparar,afligia-se Mamãe.
Molemente Maria levantou,tentara se apressar sem saber pra quê. Outros lhe pediam a presteza que a ela não cabia. No terreiro, ali ,no tão pertinho dos olhos,é dia já hoje, diahoje. Em passos apressados, espantando o que é leseira, quase tromba com os camaradas que traziam nos ombros as bandas do porco imolado .Esgueirou-se arrepiada. Estarrecida olhou o resto silencioso do que foi grito. Corrompia-lhe o espírito olhar a gordura desbeiçada, as gotas de sangue que trilhavam as pedras: matar, arrumar, cozinhar, comer a vítima. A carne era boa.
Na casinha do forno, um bando de mulheres movia de um lado para o outro .Nas gamelas, a massa da rosca era sovada, batida e nas mãos ligeiras,crescia, amaciava,expandia olhos, cheirava gostoso. Na imensa mesa de madeira, embrulhavam nas folhas de bananeira as pamonhas, essas iam para o forno da cozinha de dentro. Forno mais quente. Delicadamente, habilidosamente, Francisca enrolava os biscoitos. Maria tentou fazer o mesmo, mas suas mãos pesadas amassavam o polvilho, desfiguravam o biscoitinho, que grudava, que sujava, que irritava.
Na casinha do meio, outras gentes arrumavam o porco. Maria ouvia o barulho do machado repartindo as partes, Maria via os cachorros chegando à porta, famintos por um naco.
-Sai, Bandoleiro. Seu almoço é fubá e água. Tá se fazendo de importante hoje?
-Não tem Papai Noel pra bicho -escorraçou Passarinho
-Nem pra camarada. –debochou Antônio.
-Nem pra filho torto- revidou Passarinho.
A massa do biscoito mal saía da mão de Maria, era uma lambança. Quanto mais caprichava, mais se lambrecava. Não tinha talento, não tinha destreza. Inventou uma desculpa qualquer e abandonou o serviço.
Amanhã seria Natal.