quarta-feira, 28 de março de 2012

Morre o xará do Milton.




Morreu Millôr Fernandes, escritor, desenhista, dramaturgo, que deveria ter se chamado Milton Viola Fernandes, mas, em consequência de uma caligrafia pra lá de ruim de um escrivão, acabou por ser registrado como Millôr.

Dele, na minha juventude, o que mais marcou foi o jornaleco (como eles mesmos o denominavam) O Pasquim. Sustentado no humor, o semanário criticava incisivamente a repressão da ditadura e tornou-se um fenômeno editorial brasileiro, com mais de 200 mil exemplares.

De suas muitas sacadas, destaco:            "Viver é desenhar sem borracha.”.

Mas existem outras:

“Democracia é quando eu mando em você. Ditadura é quando você manda em mim”.

“De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência”.

“Metade da vida é estragada pelos pais, a outra metade pelos filhos”.

“O homem começa a ficar velho quando prefere andar só a mal acompanhado”.

“O homem é um macaco que não deu certo”.

“Esnobar é pedir café fervendo e deixar esfriar”.

“Não devemos resistir as tentações, elas podem não voltar”.

“Chato: Indivíduo que tem mais interesse em nós do que nós temos nele”.

“Essa é a verdade: A vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito”.


***

domingo, 25 de março de 2012

Receba-me



se você puder
abra a porta para mim
deixe-me entrar
se você puder
receba-me com um abraço
estou tão só
se voce puder
ofereça-me um café
se possivel um beijo
e se necessário
um adeus
se voce puder
aceite-me como eu

***

sexta-feira, 23 de março de 2012

Flor

Flor

receba um beijo

Flor

debruce, joelhos e amor

Flor

chore um pouco,
respire um pouco,
todo mundo é louco.

Flor

a felicidade escapou

Flor

e quem questionou, dançou

Flor

Narinas ardem,
retinas queimam,
corações incendeiam..

Flor

espinho eu,
flor você,
porque?

Flor

Só restam
você, eu,
a escolha
e o adeus...

Flor

seremos
sempre nós
sempre sós

***

quarta-feira, 21 de março de 2012

Dionéia, uma lenda...


 Dionéia era linda! E bota linda nisso... Tão linda, mas tão linda que a dádiva da beleza por pouco não se exauriu quando a contemplou. Tão linda, mas tão linda que, ainda que se esgotasse vasto repertório de superlativos, não se lograria êxito em ser fiel a sua beleza. Os olhos? Vocês já viram a lindeza dos olhos de uma jaguatirica quando iluminados pelos faróis de uma pick-up, numa trilha escura qualquer do sertão mato-grossense? Os de Dionéia eram mais... Âmbar envenenado, aço incandescente, luz de labareda, mijo de égua; A boca? Lábios grossos e úmidos qual pedras imersas nas águas rasas e cristalinas de um riacho de montanha, reluzindo ao sol de uma manhã invernal; O corpo? Aos dezesseis anos tinha, a um só tempo, a leveza de uma gazela e a exuberância de uma potranca não domada. Piegas? Lírico demais? Lugares comuns? Qual... É porque vocês não conheceram Dionéia. A visão de Dionéia fazia qualquer um sentir-se inebriado de lirismo e pieguice.

Mas Dionéia era doida... Como doida? Doida-doida, doida de pedra, maluca, desvairada... E além deste, tinha Dionéia outro defeito: Uma deformação anatômica que até a sua morte só ela e Deus tinham ciência: Dionéia não tinha aquilo... Não que tenha sido sempre assim. Não foi. Quando Dionéia nasceu, lá estava a rachinha, uma fenda perfeita entre as perninhas gordas e ágeis de um bebê lindo e física e mentalmente saudável. Um anjinho que cresceu, em tamanho, formosura e alegria, fez-se menina, adolesceu, encorpou...  Até que endoideceu. Daí em diante Dionéia se pôs a vagar como uma andarilha, abandonada pelos pais de quem era filha única, sem rumo, indo e voltando sempre pelo mesmo caminho, desgrenhada, suja e maltrapilha, enfeiando-se e definhando-se a ponto de os ossos perfurarem a pele encardida, até que um dia encontraram-na morta nas margens de uma lagoa, hoje conhecida como Lagoa Abençoada, porque ali, exatamente onde seu corpo foi encontrado, brota de uma fonte que nunca seca um fino fio de água absurdamente cristalina e, também – ou talvez principalmente por isso – em razão do assombro anatômico que fez dela uma santa.

Foi quando almas piedosas a preparavam para o sepultamento é que se deu o espanto: Uma aberração! Dionéia, além de doida, não tinha fenda alguma. Nada, nadinha, sequer um risco, uma cicatriz que denunciasse ter existido algum dia, ali onde deveria ter existido, aquilo que faria dela uma femeazinha.

O que aconteceu ninguém sabe contar com exatidão e assim existem muitas versões para o “Caso Dionéia”, manchete estampada na primeira página da Tribuna do Norte que publicou talvez a mais mentirosa de todas as versões, dando conta de que ela teria enlouquecido de amor não correspondido pelo falecido patrão, Juvêncio Tostelli, ex-deputado, dono da Fazenda Primavera, onde foi capataz o pai de Dionéia, e dono também da tal Tribuna.

A que o povo conta, contudo, é muito diferente. O fato é que, como todas as lendas, também a estória de Dionéia é resultado da fusão de várias versões que foram se modificando, ganhando corpo, até se consolidar, após a morte da personagem, na verdade que hoje toda a comunidade aceita e reverencia. Dizem que foi uma velha lavadeira das margens do Rio Juruena quem testemunhou o acontecido e se encarregou de plantar a primeira das versões, mas também ela, a lavadeira, desapareceu sem deixar sinal de vida e assim, hoje já não é possível confirmar a origem da estória.

Como costumava sempre fazer, também naquela manhã de domingo teria Dionéia ido até o rio, distante não mais do que um quilômetro de sua casa, lavar seus cabelos nas águas da corredeira que, segundo acreditava, de ouvir das conversas de comadres, além de embelezar ainda mais os longos fios negros de sua vasta cabeleira tinham também a propriedade de levar para o mar todos os males que pudessem a acometer. E estava Dionéia acocorada sobre uma pedra, junto a uma corredeira, vestido puxado e enrolado até o meio das coxas, quando sorrateiramente, sem que ela apercebesse, Seu Tostelli se aproximou e a agarrou, arrastando-a até um banco de areia, onde a jogou no chão e se atirou sobre ela. Durante o embate que se travou, o extraordinário se deu: Assombrado Tostelli viu o sexo de Dionéia se fechar lentamente, pouco a pouco, desde o períneo até o púbis, sem deixar sequer vestígio de sua existência, ao mesmo tempo em que em seu membro entumecido brotavam horrendas e doloridas chagas incandescentes, que se alastraram rapidamente para todo corpo, desesperando-o de tal forma que, aos berros – urros selvagens de endemoniado – atirou-se na corredeira caudalosa do rio, sendo de pronto tragado para as profundezas do inferno.

Dionéia levantou-se como se nada tivesse acontecido e, sem tino, pôs-se a vagar cantarolando uma música de rio até o dia em que Deus a levou.


terça-feira, 20 de março de 2012

sábado, 17 de março de 2012

Aline

Aline,flor perfumada
rosa em botão
Sempre menina
aos olhos do pai

Tua meiguice
me encanta

Parabens pelo seu dia
festeje bastante

sábado, 10 de março de 2012

Forte sou eu, o capeta é fraco

 (E o jogo é jogado...)

O capeta quer me tirar do jogo. Isto porque eu sou bom jogador e não jogo no time dele.


***

sexta-feira, 9 de março de 2012

quinta-feira, 8 de março de 2012

Dia 08 de março - Dias das Mulheres


 PARABÉNS MULHERES FERREIRAS!
 Recebam estas flores e meu abraço.
(As fotografei na Chapada dos Guimarães e no Pantanal-MT)









26 de fevereiro

(A pedido do Tito)



Ela está sentada na varanda. Não na varanda da sala que não é varanda, mas alpendre, ela está sentada na varanda da cozinha. Já é tardezinha. No verão os dias se alongam e a janta, algumas vezes, lhe parece ter sido tão cedo... O caçula, ainda neném de colo, já dorme. Os outros cinco estão espalhados por perto. Se sente tão feliz! Ele foi dar mais uma volta pelas cercanias, checar se porteiras, portões da cocheira, portas das tulhas estavam fechadas... Estavam, como sempre, fechadas, mas ele sempre, todas as tardes, com sua inseparável foice, checava. Logo voltaria. As empregadas já tinham lavado panelas e louças e tomado o rumo de casa, as crianças já tinham tomado banho – tinha que cuidar para que não desembestassem terreiro afora, enlameado pela chuva forte de há pouco. Essas crianças! O terceiro então... Mas ele cuidara do fogo no fogão a lenha garantindo que a serpentina mantivesse quente a água de seu banho. Estes cuidados, mimos singelos, são alguns dos motivos que a faz se sentir tão feliz. Especialmente nesta data.

Afastou uma mecha de cabelo que caia sobre seu olho direito e entrou. Ele já tinha voltado e aberto a válvula do tanque – as crianças diziam ser piscina – ligando a usina, e liberando energia para uma fraca luz brotar do forro do teto. De qualquer forma, verificou se lamparinas e velas estavam à mão... Esta usina! Para um sapo entupir o tubo ou o jacaré da correia se abrir, custava pouco. Melhor prevenir. Do seu quarto ouviu os seus passos ecoar no piso de tábua-corrida enquanto andava fechando as janelas da casa... Tantas janelas! Para quem tinha começado a vida de casados numa casinha de colono, tinham evoluído bastante. Fizeram por onde... Os dois. Mereciam. No banheiro, enquanto a banheira não enchia, avaliou-se ao espelho. Espelho acanhado, sobre o lavatório, não ajudava muito, mas sentiu-se bela, como de fato era, jovem e bela, ainda que com seis filhos já paridos. Gostaria que seu pai ainda fosse vivo. Ele que pouco fez de seu marido, justo como era, de certo reconheceria hoje o seu valor. Homem trabalhador, rigoroso, amoroso, com ela e com os filhos... Bom marido. Sentiria orgulho dela também. Foi forte e ajudou na educação, não apenas dos filhos, mas também dele. Se Deus quiser, fariam muitos doutores e se Deus a ajudasse mais, até um padre.

Gostaria de ter uma colônia... Fazer o que? Nesta roça, sem ressentimentos, difícil ter cheiros que não sejam os das flores das laranjeiras, dos cafezais e de suas rosas. Mas uma colônia, daquelas dos seus tempos de internato em Andrelândia... Aí, meu Deus, como lhes fariam bem! Afinal, hoje era 26 de fevereiro e eles completavam quinze anos de casados.



quarta-feira, 7 de março de 2012

Quem tem cu, tem medo

Queridos ferreiras;na segunda feira(05/02),minha médica me ligou e perguntou se havia pego o resultado do exame PET,como eu disse que não,ela falou que o laboratório tinha ligado e tinha dado uma alteração;que era para eu pegar os exames e irimediatamente consulta la.Assim foi feito.Ela me disse que havia nódulos na parede toráxica.Que era para fazer cirurgia para biopsia.E mesmo que fosse cancer minhas probabilidades eram muito boas.Estaria no inicio e meus orgãos internos estavam limpos.Perguntei a ela qual a probabilidade de ser cancer,ela me disse que era 80% pelo meu histórico.
A ultima crônica do Colelo me animou passar este relato via blog.Só que vou avisando posso morrer sem uma gota de sangue,mais não sem luta.Beijos queridos depois converso com voces via telefone.Não se preocupem mais do que o necessário,estou firme nos arreios

terça-feira, 6 de março de 2012

Medo não, cisma...



Medo, medo... Medo assim de pavor, não tenho não senhor, mas que tenho cá comigo, lá no fundinho das carnes, nos miolos dos ossos, as minhas cismas, ah tenho, se tenho! E quem não as tem, não mesmo doutor? O senhor me escute bem, até o Sembreque, o senhor há de saber de quem estou falando, pois é, até aquele filho de negro com índia guató, criado lá pelas bandas da Salgadeira, meio bronco e forte como um jumento, até ele tem seus sustos e cuidados, se até ele e eu então, mirradinho como sou, porque não haveria de ter? Pois bem, fique então o senhor sabendo, não é medo, mas que há certas coisas que deixa a gente com os pelos duros e eriçados que nem os do porco do mato, ah isso há... Se há!

De morto não, medo nenhum. Por haveria de ter, não é mesmo? O que há de um morto fazer com um vivo se está enterradinho, enterradinho? Nada, nadinha não é mesmo? Mas é que as pessoas contam certos casos que deixam a gente com uma cisma danada. Um conta de ouvir dizer, outro afirma ter testemunhado o ocorrido e assim vai, gente direita, de confiança... Por que não havia de ser? O senhor certamente tomou ciência do caso dos enforcados, não é mesmo? Então, um caboclo, pessoa simples, vergonhosa, apareceu lá na Fazenda do Ruço tencionando trabalho. Deram-lhe emprego, cama, comida e uns cobres por semana, coisa pouca, mas o suficiente para umas pingas no Boteco do Corisco, daí o vulgo que lhe deram: Zé da Pinga. Não ficou nem dois meses e o enforcaram por conta de aproveitar da filha da Joselina, uma guriazinha loirinha, bonitinha que só, nem dez aninhos tinha. Ele jurava lágrimas que não tinha feito abusão nenhum, que Jesus Cristinho o torrasse com um raio, agorinha mesmo, se fosse capaz de tamanha crueza, que bebia, mas não era doido e nem mau... Ninguém lhe deu monta. Enforcaram-no com laço de couro e argola de prata, pendurado na aroeira da divisa.

Morreu sem derramar uma gota de sangue, morte triste, doutor. Ninguém deveria morrer sem ao menos derramar uma gota de sangue, não é mesmo doutor? Nem que fosse um dente arrancado, um cenho partido, um nariz esborrachado, morrer sem derramar sangue é morrer sem ter lutado. Morte triste é morte sem sangue, o senhor sabe, o Diabo espera por estes acovardados. Não que eu acredite Nele, não acredito, mas é assim, ao Diabo apetece os frouxos.

Dias depois, não muitos dias depois, descobriram que não foi o Zé da Pinga o malfazejo, mas outro Zé, o Zé da Toca e enforcaram também o outro Zé. O senhor sabe, nestas maçarocas de mato homem que não angaria respeito é homem de cova, homem que faz mal feito é homem matado e o Ruço sabia muito bem disso, tanto que tratou logo de condenar também o outro Zé. Enforcaram e enterraram este outro Zé com o mesmo laço, na mesma aroeira e na mesma cova do primeiro Zé, pois é... Então, arre que me dá arrepio até de só contar! Medo não, cisma. Me contaram, o senhor acredite, que os ossos do segundo Zé não paravam embaixo da terra, enterravam e eles apareciam aflorados, enterraram de novo e os ossos brotavam como arroz em várzea alagada, reenterravam e rebrotavam e assim foi até que decidiram reenterrar os ossos há mais de seis léguas da cova do Zé da Pinga e só assim se aquietaram. Na região todos dizem que os ossos eram desenterrados pelo Zé da Pinga que os renegava em sua cova, tenho ou não tenho razão de arrepiar?

Ver eu não vi, mas conto para o senhor o que me contou gente de boa fé que afirma ter testemunhado o ocorrido, então acredito, porque não haveria de acreditar? E fico com cisma danada destes mortos que desandam a desenterrar ossos...

Medo não, que medo tem quem não tem colhão.



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sábado, 3 de março de 2012

Início das águas

Outubro,primeiras chuvas
trovoadas-relampagos
cavalos e bezerros cabritando.
Alegria da passarada
O sabiá agora não canta triste
O ar é diferente
aparece o cheiro doce
das frutinhas mateiras
Insetos aparecem em grande quantidade
simplesmente aparecem.
Fartura para a passarada
que fez coincidir a ninhada
com esta época
O gado por incrivel que pareça
emagrece.
Sai a cata de brotos
esquece a fibra do pasto ressecado,
o qual comia por necessidade
Assim é o sertão
é esperança
é renovação.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Rio Paraguai - Por de sol



Mantendo firme o propósito de tornar o Blog mais dinâmico, abrimos mar/12 com novo visual e nova "foto cabeçalho".
A foto foi obtida em agosto de 2011, durante um passeio em uma chalana, nas águas do Rio Paraguai, na região de Cáceres-MT.
Não que eu seja "fissurado" em por de sol, mas falem a verdade: Nâo é mesmo uma maravilha?

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quinta-feira, 1 de março de 2012

Geada Negra


Ao fim de uma tarde fria de julho, enquanto a noite baixava dizimando aos poucos o que restava de visibilidade, do alpendre da sede da fazenda, ele abarcou com o olhar o cafezal novo: Uma mancha verde escuro – um verde ainda mais denso agora na quase total ausência de luz – que se alongava por sobre o que havia sido o Pasto da Frente, desde o Corguinho até a cerca da divisa com seu amigo e cunhado, Waldemar, cobrindo toda a área da estrada para cima, onde antes havia sido pastagem. No topo, a lavoura saltava a grota e entrava Campinho adentro até próximo da casa que havia sido de Laponésio, e daí escoava no sentido da casa de Zé Caetano, sempre margeando a serra, completando um desenho que cobria toda área onde antes pastava o gado falhado. Zé Caetano e Laponésio; o primeiro um negro retinto, de um negrume brilhoso de jabuticaba madura, alto, magro e muito forte, o segundo um mulatão troncudo, um pouco mais baixo, e com um largo e quase permanente sorriso que expunha uma dupla fileira de dentes perfeitos e muito alvos, eram os seus melhores camaradas, aliás, agora apenas o Zé Caetano, já que bom tempo havia decorrido desde que Laponésio foi encontrado morto – enfarto, com certeza! – numa roçada de pasto, ali mesmo, a não mais de meia légua de sua casa. Laponésio a quem ele tanto estimava e que também tanta estima lhe tinha, morreu fazendo o que gostava de fazer, trabalhando, e o encontrar daquele jeito, com os olhos já devorados pelos urubus, o marcou profundamente.

Mas hoje ele estava feliz. Ainda há pouco cavalgara entre as filas verdes de pés de café alegrando-se com o desenvolvimento da lavoura. Graças a Deus, depois de tantas dificuldades, tantos reveses, finalmente via arvorezinhas robustas, encorpando-se a olhos vistos e preparando-se para – tudo dando certo e Deus querendo! – já no próximo ano oferecer uma boa cata.

Chegar até este ponto não foi fácil, muito pelo contrário, foi tudo extremamente difícil e demasiado trabalhoso. Primeiro, conseguir o financiamento. Como ele costumava dizer: “Banco só empresta dinheiro para quem não precisa! Só empresta pra rico!”. Com crédito limitado, foi preciso empenhar gado, obter avais – coisa que muito o envergonhava – e, depois de muito mendigar com gerentes, obter do Banco do Brasil uma quantia muito menor do que a que ele demandaria e a ser liberada a conta gotas. Em seguida obter créditos para aquisição das mudas e dos insumos, visto que o dinheiro do Banco era insuficiente e gotejante. Outra dificuldade. Mas com a fama de homem honrado, obteve o que objetivava. Contudo, tudo isso atrasou o início do plantio e a seca acercou-se com as mudinhas recém-plantadas e ainda frágeis.

Salvá-las foi uma luta. A filharada em férias escolares, todos na fazenda – como ele gostava que fosse – foi toda envolvida na operação “salva lavoura”. A construção de um tanque em alumínio a ser acoplado numa carreta puxada por um trator, constituindo um improvisado e precário sistema de irrigação, quase cega um dos meninos por exposição a “luz da solda” sem óculos de proteção. Daí, dias inteiros, do amanhecer até tarde da noite, em duplas, percorrendo as ruas de café com aquela geringonça que era pilotada por um enquanto outro, com uma mangueirinha deixava fluir um mole e preguiçoso esguicho de água, pouco mais que um filete, que a terra sedenta prontamente absorvia, num esforço comparável ao de esgotar um oceano fazendo uso de um dedal, tentava aguar as mudinhas frágeis... Orações, promessas, um cruzeiro plantando no cume da serra, mas, enfim, ainda que com custos acima do esperado, as mudinhas sobreviveram até as primeiras gotas de chuvas e gora ali estavam fortes, vigorosas, prometendo, como há pouco ele avaliara, uma boa cata já no próximo ano. Quem sabe, estando o preço bom, esta cata não daria até para resgatar alguns avais?

O céu absolutamente limpo e azul durante todo o dia, agora, pouco a pouco, escurecia, enquanto o horizonte se alongava num vermelho flamejante. Sinais por demais conhecidos, maus presságios... Ainda bem que a lavoura não adentrava grotas e se geasse, no máximo, seria atingida a bordadura. De qualquer forma, uma inquietação tola comprimiu seu coração. Tirou o chapéu e com os dedos calosos alinhou os cabelos ralos. Ainda bem que a lavoura não adentrava grotas...

Ainda era madrugada, uma madrugada demasiado fria, quando ele saiu da cama, após passar a maior parte da noite em claro. Foi até o alpendre e o ar gelado queimou seu rosto. Espichou o olhar na direção da lavoura, uma fina névoa e a escuridão bloqueou sua vista... Fez menção de ir a até o curral em busca de um cavalo, mas desistiu, seria tolice. Entrou, dirigiu-se até a cozinha, acendeu o fogo no fogão a lenha e , enquanto a água não fervia, aqueceu as mãos levando-as até próximo das chamas, esfregando-as, em seguida, uma contra a outra. Passou um café ralo e cheiroso, como ele gostava. Mas o coração continuava gelado. Quando voltou ao alpendre, a luz do sol a nascer já clareava o dia e ele pode ver, através da névoa que dissipava, na grama da frente uma espessa camada de geada. Estremeceu... Quis orar, mas estava aflito demais. Deu alguns passos na direção do curral, fez meia volta e caminhou apressado, quase correndo, rumo a lavoura.

Quando o sol abriu inteiramente o dia, numa manhã ainda muito fria, o que foi verde era agora marrom. Como se um banho de chocolate, uma calda rala de chocolate tivesse sido despejada sobre a lavoura de café... Estava acabado. O dia avançava e as folhas escurecidas não deixavam dúvidas: A lavoura estava dizimada e ele literalmente quebrado.

Foi a única vez que vi meu pai chorar.


(Soube-se depois que aquela foi uma das mais intensas geadas dos últimos cinquenta anos – conhecida como “geada negra” –  que dizimou lavouras inteiras de café, no Paraná, São Paulo e sul de Minas Gerais).


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