Era tarde, calor intenso, ar parado, cheiro poeirento, energia paralisante.Pessoas que, por ele cruzavam nas calçadas, mostravam-se taciturnas, enfezadas mesmo.O tempo lhes emprestava um ar de desleixo,de sujeira. Havia uma claridade nauseante e enquanto com passos largos tentava alcançar seu destino, observava enojado o mundo ao seu redor.
Caminhava em desespero, sofreguidão...Caminhava estrangeiro, solidão.Estrangeiro era o que era. Estrangeiro era o que sobrara.O calor lhe ensopava o corpo, não lavava a alma.Não mais acreditava em terra prometida. A vida resultara nesse nada absoluto, nada resoluto.
Era a rua, era a multidão.Amontoado de gente entre carros e edifícios, ilusão.Caminhava ausentando o espírito do que os olhos viam. Ali naquele canto, andrajos jogados, um pé de sapato lamentando seu par.Lá, no estacionamento,uma criança se dobra cheirando cola.
Caminhava com pressa,o pulso na frente da cara, os ponteiros gritando a hora.Caminhava em desalento, os passos presos, a garganta seca.Estrangeiro por estradas senis, estrangeiro de poses servis.Nem mais queria a terra prometida,nem mesmo a terra esquecida.
Era a praça escaldante, era a pomba cambaleante.No centro, um santo de bíblia na mão proclama o reino de Deus, aqui na terra. Jogado no banco, o bêbado gargalha e murmura: aqui ....
Caminhava trôpego, no bolso o dinheiro pouco. Sentado na calçada, atrapalhando a circulação, um cego estende o chapéu, mutilação.O sol não dava trégua, mais três quarteirões. Sem trocado para o ônibus, anulação.Não sonhava a terra prometida, quase odiava a terra falida.
Era o bando de hippies. Malucos Beleza vendendo patética arte. Era o bando desfilando sina profética. Desviando,era uma lady que toma um táxi, repugnância.Era a polícia, ali no escondido, dando uma batida.Ignorância.
Caminhava exausto, suor nas mãos, ronco no estômago, dor na cabeça, confusão.Um vendedor ambulante na sua desvairada correria quase o derruba. Mas não vai sem gritar sua mercadoria.Um homem de terno tem, num átimo, sua maleta roubada.Inquietação.As mãos aflitas acenam , imploram socorro.Desolação.
Era a cabeça ensaiando respostas bem articuladas.Paciência.Era a entrevista marcada no arranhacéu ali adiante. Subserviência. Era a mão trêmula buscando o delírio.Inconseqüência.Era a buzina agonizante, era a fúria , era já.
Caminhava decidido. Só mais um passo. Uma mulher balofa o empurra. Tem em sua pele o suor melado, feminino, asqueroso. A mãe enlouquecida arrasta uma criatura esquelética que quase voa.Ignorava a terra prometida, afundava na terra ensandecida.
Era a mão deslizando na superfície lisa, arredondada,no vazio do bolso.Mescalina.Era a boca seca engolindo a danação.Era a primeira onda submergindo a cidade.Eram os passos ganhando agilidade.Eram os olhos ampliando a visão
Caminhava se arrastando por entre baratas homicidas Insetos de antenas perfurantes entocando transeuntes.Caminhava encharcando os pés na matéria purulenta que escorria dos edifícios.Derretia sob o sol indiferente.Desfazia-se em inflamação.
Era a rua coberta de alucinados motores.. Eram cabeças flutuantes gritando das janelas.Era a travessia aguardada.O sinal hemorrágico desavisando-o.Mais um passo e ...nada
Eita, essa Cocada! Fazia tempo que não postava e chega "arrebentando"...
ResponderExcluirTem uma propaganda na "radia" daqui, Canavial, que é mais ou menos assim: Descreve uma cena, por exemplo, uma visita inesperada, e termina afirmando: "Radio, você não enxerga mas vê, divulgue sua empresa".
Este texto seu me fez sentir como parte integrante da cena: Eu estava na praça e vi tudo o que se passou naquele momento.
Beleza de texto!