quinta-feira, 29 de abril de 2010

Seixos Rolados

Lépido e faceiro montou no cavalo arreado com esmero e evidenciando grande destreza o pôs a trotar rumo aos campos do Retiro Alto. Pela primeira vez após longo tempo cavalgava com espírito aliviado da carga das dívidas que o atormentavam desde que decidira comprar uma cama de casal, um toucador, um guarda-roupa e atrelar à sua caminhada uma companheira que desde então com ele morava.

De lá para cá, os juros extorsivos, os caprichos da comparte e outras coisinhas mais só fizeram o débito crescer em tal proporção e descontrole que não era incomum lhes serem apresentadas contas das quais não lhe vinham ao tino suas origens.

Tinha especial estima por aquele cavalo, um animal sôfrego, de boa marcha, que respondia prontamente aos seus comandos e cavalga-lo, sobretudo naquela hora da manhã, quando a noite mal acabara de parir o sol e os campos ainda estavam cobertos pelo orvalho, lhe proporcionava imenso prazer. Naquele dia, em especial, o prazer da cavalgada era ainda maior. Isso porque, logo no primeiro resfolegar do baio, as preocupações se esfumaram nos vapores que escaparam de suas ventas, abrindo um imenso vazio a ser preenchido exclusivamente pela luz e o cheiro da manhã. Não que seus débitos houvessem sido quitados. Não. Sequer renegociados foram, nada disso... Apenas, subitamente deixaram de ter importância: Na sua frente apenas a serra a ser escalada e uma missão final a ser cumprida.

Então fustigou o baio fazendo com que ele passasse do trote curto para uma toada larga e em pouco tempo, sem olhar uma vez sequer para traz, chegou ao sopé da serra.

Após conquistar o primeiro patamar, como de costume, apeou da montaria e com as mãos em concha bebeu do regato cristalino que corria entre pedras à sombra de uma restinga rala. Tirou o chapéu, limpou com a mão o suor da testa e, também como sempre fazia, estendeu o olhar sobre a pradaria verde que se descortinava: Algumas manchas de neblina baixa, pequenos pontos de alagamento e lá no fundo a fumaça branca subindo da chaminé da sede.

Desta vez, contudo, não havia a fumaça branca escapando pela chaminé, mas grossos rolos avermelhados desprendiam-se da casa que era consumida pelas chamas... Talvez aquela fina fumaça rósea, que se destacava lírica entre os rolos rubros, bailando com extrema leveza, se desprendesse do corpo dela.

Suspirou aliviado...

Restava-lhe galgar a última encosta e, do cume, rolar com os seixos penhasco abaixo.

Um comentário:

  1. Colelo não deixe de escrever.Isto faz muito bem para nós.Grande beijo.
    Adorei o texto.
    Tarlei

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