
Heráclito Silva era um homem mais temido que respeitado. Seu rosto enrugado, duro, ossudo, sua barba espessa e ruiva creditavam-lhe certa ferocidade. Bruto, de uma índole baixa, intolerante e arrebatada, sempre desdenhara da existência alheia como de qualquer código contrário às suas mais imediatas vontades. Fazia questão de tratar aqueles que lhe prestavam serviço com arrogância ou, quando bem-humorado, com a mais total indiferença. Assim, diante da oportunidade, foi bastante natural que Heráclito passasse a se valer de jovens tolos e ambiciosos, contratados no peso da palavra, com falsas promessas e ameaças verdadeiras, para tratar de seus assuntos menos enobrecedores. Esses jovens, aos quais chamava intimamente meus Capaus, tiveram destinos desastrosos, muito embora se propagandeasse aos quatro ventos pela região ser Heráclito o mais generoso benfeitor da Criança do Futuro, entidade local para o desenvolvimento da criança e do adolescente, portanto forte candidato a cadeiras municipais quaisquer. Manejando com tamanha destreza a adaga da hipocrisia, Heráclito soubera se servir muito bem durante toda a vida de sua conduta mesquinha, de seu caráter maleável e por isso ascendeu alto e rapidamente nas esferas interessadas do dinheiro. Fora uma Hiena sempre solícita quando lhe convinha, sempre imiscuída em esquemas fraudulentos, sempre disposta à derrubar detratores como aliados como quem quer se interpusesse em seu trajeto, sempre sorrateiramente, pelas beiradas, pela retaguarda, insensível como uma Hiena…
Ano após ano a cena se repetia. Um verão escaldante na planície de Ngorongoro. A caldeira fumegando de criaturas sedentas, sobretudo por carne. Um grande Búfalo, de pêlos espessos e ruivos, de olhar esmaltado e semblante indisposto, acabava de tomar uma decisão equivocada, avançando cada vez mais, sem ousar retroceder, se afundava no denso lamaçal. Extremamente pesado, o Búfalo se vê subitamente subjugado pela lama, atolado, sem poder se deslocar. Ato contínuo, como neblina ligeira em estrada da manhã, um bando de Hienas se aproxima, atraída pela movimentação angustiada do Búfalo. Elas são leves bailarinas, não afundam no lamaçal. A primeira mordida é apenas um beliscão, um teste para avaliar a imobilidade do bubalino. A segunda lacera seu couro e penetra sua anca. O Búfalo impulsiona abruptamente seus grandes chifres para trás, mas seu golpe passa no vazio e uma terceira mordida, potente e penetrante, atinge seu dorso. O Búfalo urra, retesa o pescoço e ensaia uma chifrada patética, que as Hienas ignoram. O Búfalo encara fixamente uma de suas algozes; essa Hiena tem olhos absolutamente negros e indiferentes. Os olhos do Búfalo diante da morte são os olhos de Heráclito. As repetidas mordidas que lhe assomam são devastadoras. As entranhas de sua anca e da parte traseira de seu dorso estão expostas. O odor de sangue domina a paisagem. Vinte e três Hienas banqueteiam sobre um Heráclito insistentemente vivo. Cinco minutos depois, seus olhos vitrificam e ele já não respira. Meia hora depois resta-lhe apenas alguns pedaços de ossos espalhados e a longa vértebra ferrenhamente disputada por duas velhas amigas…
Ano após ano a cena se repetia. Um verão escaldante na planície de Ngorongoro. A caldeira fumegando de criaturas sedentas, sobretudo por carne. Um grande Búfalo, de pêlos espessos e ruivos, de olhar esmaltado e semblante indisposto, acabava de tomar uma decisão equivocada, avançando cada vez mais, sem ousar retroceder, se afundava no denso lamaçal. Extremamente pesado, o Búfalo se vê subitamente subjugado pela lama, atolado, sem poder se deslocar. Ato contínuo, como neblina ligeira em estrada da manhã, um bando de Hienas se aproxima, atraída pela movimentação angustiada do Búfalo. Elas são leves bailarinas, não afundam no lamaçal. A primeira mordida é apenas um beliscão, um teste para avaliar a imobilidade do bubalino. A segunda lacera seu couro e penetra sua anca. O Búfalo impulsiona abruptamente seus grandes chifres para trás, mas seu golpe passa no vazio e uma terceira mordida, potente e penetrante, atinge seu dorso. O Búfalo urra, retesa o pescoço e ensaia uma chifrada patética, que as Hienas ignoram. O Búfalo encara fixamente uma de suas algozes; essa Hiena tem olhos absolutamente negros e indiferentes. Os olhos do Búfalo diante da morte são os olhos de Heráclito. As repetidas mordidas que lhe assomam são devastadoras. As entranhas de sua anca e da parte traseira de seu dorso estão expostas. O odor de sangue domina a paisagem. Vinte e três Hienas banqueteiam sobre um Heráclito insistentemente vivo. Cinco minutos depois, seus olhos vitrificam e ele já não respira. Meia hora depois resta-lhe apenas alguns pedaços de ossos espalhados e a longa vértebra ferrenhamente disputada por duas velhas amigas…
Excelente, Sobrinho!
ResponderExcluirGostei muito... mesmo.
Cara,gostei.
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