Dona Maria Antonieta era nossa professora. Excelente professora, diga-se de passagem. Papai a contratou. Primeiro porque, diferentemente da maioria dos fazendeiros e sitiantes da região, confiava que dar estudo para suas crias era o que melhor poderia lhes legar. Depois por que, naquele cantinho do interior de Minas Gerais, o Estado oferecia apenas um Grupo Escolar – salvo engano, Grupo Escolar Dona Emerenciana – cujo ensino era fraquinho, fraquinho. Até andei frequentando algumas aulas lá, mas, creio que não aprendi muita coisa. Dona Maria Antonieta acabou sendo não apenas nossa professora, mas também professora de alguns filhos de empregados e filhos de alguns vizinhos.
Usualmente as aulas transcorriam na tulha do meio, onde papai até improvisou na parede um quadro negro, que nem era tão negro assim, mais para verde cimento, porém, naquele dia, não me lembro por qual razão, as aulas se davam na casinha do meio, no terreiro da cozinha.
Salvo engano, era hora do intervalo, numa manhã ensolarada como outra qualquer.
Estávamos lá: D. Maria Antonieta, Eu, Maria Aline, Humberto e mais alguns outros alunos. Eu tinha justo terminado o castigo de escrever cem vezes a tabuada dos sete. Cem, isso mesmo, não me esqueço, cem vezes e estava mal humorado como só eu sabia ficar. Creio que fiquei até complexado com isso, pois até hoje minhas contas na tabuada dos sete é assim: sete vezes oito? ... Sete x sete, quarenta e nove, mais sete, cinquenta e seis. Sete vezes nove? ... Sete vezes dez, setenta, menos sete sessenta e três. Então um bem-te-vi pousou numa árvore desfolhada, no pátio do galinheiro, logo acima, e disparou: bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi...
Avistando-o, do nada, D. Maria Antonieta desafiou Humberto:
– Quero ver. Você tem fama de bom com o estilingue... – Desafiou ela, apontando para o bem-te-vi.
Humberto não tinha apenas fama, ele era mesmo muito bom, uma fera com um estilingue! E a arma, assim como a munição, estava sempre ao seu alcance. De um bolso saiu a atiradeira, do outro um seixo bem escolhido e... Pimba! Despenca o bem-te-vi do galho.
Fui o primeiro a correr até o galinheiro. Apanhei o bichinho e o entreguei mortinho da silva para D. Maria Antonieta – no meu olhar um brilho sacana de vingança por conta das cem vezes de tabuada. Ela estava simplesmente horrorizada, tomada por total sentimento de culpa, segurando com extrema delicadeza o passarinho abatido, sem saber o que fazer.
– Põe água na cabecinha dele! – Sugeriu um.
– Sopra no bico! – Receitou outro.
Que nada. A alminha do emplumado, provavelmente, já estaria a caminho do céu dos passarinhos.
– Vamos fritar ele! – Eu, diabinho vingativo, propus.
– Não! – Gemeu D. Maria Antonieta.
Finalmente, decidiu-se, contra minha vontade, pelo enterro do bichinho num canteiro da horta de couve. Exceto, pelo meu ar ironicamente macabro, o funeral transcorreu com a requerida solenidade. Uma cruzinha de madeira, confeccionada pelo Humberto – bom coração tinha o menino! – sinalizou a cova.
De triste mesmo, só os suspiros contidos de Dona Maria Antonieta...
Usualmente as aulas transcorriam na tulha do meio, onde papai até improvisou na parede um quadro negro, que nem era tão negro assim, mais para verde cimento, porém, naquele dia, não me lembro por qual razão, as aulas se davam na casinha do meio, no terreiro da cozinha.
Salvo engano, era hora do intervalo, numa manhã ensolarada como outra qualquer.
Estávamos lá: D. Maria Antonieta, Eu, Maria Aline, Humberto e mais alguns outros alunos. Eu tinha justo terminado o castigo de escrever cem vezes a tabuada dos sete. Cem, isso mesmo, não me esqueço, cem vezes e estava mal humorado como só eu sabia ficar. Creio que fiquei até complexado com isso, pois até hoje minhas contas na tabuada dos sete é assim: sete vezes oito? ... Sete x sete, quarenta e nove, mais sete, cinquenta e seis. Sete vezes nove? ... Sete vezes dez, setenta, menos sete sessenta e três. Então um bem-te-vi pousou numa árvore desfolhada, no pátio do galinheiro, logo acima, e disparou: bem-te-vi, bem-te-vi, bem-te-vi...
Avistando-o, do nada, D. Maria Antonieta desafiou Humberto:
– Quero ver. Você tem fama de bom com o estilingue... – Desafiou ela, apontando para o bem-te-vi.
Humberto não tinha apenas fama, ele era mesmo muito bom, uma fera com um estilingue! E a arma, assim como a munição, estava sempre ao seu alcance. De um bolso saiu a atiradeira, do outro um seixo bem escolhido e... Pimba! Despenca o bem-te-vi do galho.
Fui o primeiro a correr até o galinheiro. Apanhei o bichinho e o entreguei mortinho da silva para D. Maria Antonieta – no meu olhar um brilho sacana de vingança por conta das cem vezes de tabuada. Ela estava simplesmente horrorizada, tomada por total sentimento de culpa, segurando com extrema delicadeza o passarinho abatido, sem saber o que fazer.
– Põe água na cabecinha dele! – Sugeriu um.
– Sopra no bico! – Receitou outro.
Que nada. A alminha do emplumado, provavelmente, já estaria a caminho do céu dos passarinhos.
– Vamos fritar ele! – Eu, diabinho vingativo, propus.
– Não! – Gemeu D. Maria Antonieta.
Finalmente, decidiu-se, contra minha vontade, pelo enterro do bichinho num canteiro da horta de couve. Exceto, pelo meu ar ironicamente macabro, o funeral transcorreu com a requerida solenidade. Uma cruzinha de madeira, confeccionada pelo Humberto – bom coração tinha o menino! – sinalizou a cova.
De triste mesmo, só os suspiros contidos de Dona Maria Antonieta...
***
Adoro ler esses causos!
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