quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Devaneios




Leio releio
atento
estes devaneios
e não entendo
um i
do que está escrito aqui.

Porque haveria de entender
se não fui quem escreveu
mas um ser alado
tresloucado
que habita em mim?

***

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

As mãos de meu pai

Li este poema de Mário Quintana e lembrei-me de um outro poema publicado neste, que muito me tocou: Mãos de Lavrador (http://maferreira-osferreira.blogspot.com.br/2009/07/as-maos-do-vovo.html), este de um poeta muito querido, meu maninho Tarlei.

Vale a pena ler os dois!


As Mãos de meu pai.

(Mario Quintana)



As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já da cor da terra
- como são belas as tuas mãos
pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da nobre cólera dos justos…
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas…
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente, vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los contra o vento?
Ah, como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura as tuas mãos nodosas…
essa chama de vida – que transcende a própria vida…
e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.


 ***

domingo, 27 de janeiro de 2013

Eventualmente

Eventualmente, abrem-se janelas,
eventualmente, duvido,
eventualmente ouço sussurros,
não é um anjo que sussura no meu ouvido,
tão pouco o demônio,
mas meu corpo, meu desejo,
meu amor,
meu clamor.

Clausuras
coisas escuras
prisões
não comportam a alma do homem.

Nenhuma lei supera
a sua lei.
Nenhuma lei
é mais
do que sua lei.
Nenhuma lei tem jeito,
nenhuma pode ultrapasar seu direito.

Vamos dançar?
Eventalmente abrem-se as cortinas.

Seus passos pesam tão pouco quanto o ar,
talvez por isso seja tão dificil a amar.
Leveza, nuvem, algodão...
Talvez sobreviva meu coração.

Antes disso, as cancelas...
Estão aí para serem abertas.

Nem eu, nem você, Bela,
conhecemos os mistérios das cancelas,
mas somos suficientemente fortes e capazes,
- somos do caralho! -
para destruir cancelas
e não tropeçar em cascalhos.

Eventualmente, eu diria,
prefiro ouvir o que não sei dizer,
que o diga outro,
que dirá tão bonito,
o que não precisava ser dito,
e talvez sequer pensado.

Mas tudo bem,
existe o uisque e a tristeza.
(Quem consola quem?),
para tudo basta o dinheiro?

Seria ótimo passear em Veneza!
Dizem que não é bom o cheiro,
nem os ratos.

Acho que não vale a pena
visitar Veneza...

Eventualmente...
Tudo é tão eventual.

Preciso de um uisque.
Deus do céu,
estou tão triste...

Triste demais!!!

Amanhecendo.

Bem ali
um bentivi,
passarinhando na manhã,
e o sol
futucando os cabelos dela,
e ela adormecida.

Tão bela é ela!
Tão bela é a vida!

Gemem no fogão
gravetos verdes,
nem tão compridos,
mas sobem labaredas
nas notas de seus gemidos.

Vou a despertar,
com um beijo e um café.

Talvez eu diga,
eu amo você.
Talvez eu reserve para depois,
para uma outra manhã
ou para outra tarde,
ou para o calor de uma brasa que arde.

E de lá, nos espia
as árvores e o sol...
Uma inveja só!

Resta-me a dizer tão pouco,
sequer sou tão louco,
para medir tanto sentimento,
e neste momento,
amiga, quero apenas
que seja minha amiga.

Incêndio.....................

Incêndio na boate Kiss em Santa Maria, RS, causou a morte de 245 pessoas na madrugada deste domingo.

A maior tragédia de nossas vidas.

Fabrício Carpinejar

Morri hoje em Santa Maria. Quem não morreu? Morri na Rua dos Andradas, 1925. Numa ladeira encrespada de fumaça.
A fumaça nunca foi tão negra no Rio Grande do Sul. Nunca uma nuvem foi tão nefasta.
Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia. Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.
A fumaça corrompeu o céu para sempre. O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.
As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.
Morri porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.
Morri porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.
Morri porque prefiro ficar perto do palco para ouvir melhor a banda.
Morri porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.
Morri porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.
Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.
Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?

O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.
A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.
Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.

Mais de duzentos e quarenta jovens sem o último beijo da mãe, do pai, dos irmãos.
Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.

As famílias ainda procuram suas crianças.
As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.
Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.

As palavras perderam o sentido.

Jornal Zero Hora, de Porto Alegre



Viver

Viver é um desastre
-talvez arte -
meia parte
se faz para não morrer
outra parte
melhor sequer saber.

***

sábado, 26 de janeiro de 2013

Só de você

Ficar absolutamente só
tem suas vantagens:
Você, pouco a pouco,
sequer tem você.

Fica só.

Só de você!

***

Soneto de aniversário

Vinicuis de Moraes

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

Faça-se a carne mais envelhecida
Diminuam os bens, cresçam os danos
Vença o ideal de andar caminhos planos
Melhor que levar tudo de vencida.

Queira antes ventura que aventura
À medida que a têmpora embranquece
E fica tenra a fibra que era dura.

E eu te direi: amiga minha, esquece…
Que grande é este amor meu de criatura
Que vê envelhecer e não envelhece.

***



Entre a saliva e o escarro.



Entre a saliva e o escarro...
Deus do céu
como eu preciso de um cigarro!

Mamãe me chamou
e me disse assim,
me dise isto:
Meu menino, você é tão bonito,
voce merece um beijo!
Meu menino, você é tao bonito...

Na garganta,
um pigarro.
Deus do céu, um cigarro!

Preciso de um uisque
estou tão triste!

Meu pai , meu pai me disse,
voce pode mais,
você é tão forte,
você é tão capaz.

E eu devo desculpas,
nao porque tenho culpa,
apenas desculpas,
por não merecer
e nem fazer
mais do que posso fazer.

Desculpe-me...

Se possível,
antes do sol nascer,
é imperioso sobreviver
ao longo do dia,
de uma ou de outra forma,
disforme,
forte,
tenro,
nu....

E apesar dos pezares,
das sortes e dos azares,
ainda reservo um beijo
para dar para voce,
(em você?)

Só para vocë!


Questão de gosto...

Do nada
penso em nada
e desço estrada.

Se presciso for,
digo: Te cuide, amor,
e subo estrada também.

Sou assim,
faço assim,
gostem ou não de mim.

***

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Escombros


Péssimo hábito este,
o de revolver escombros...
Ainda se fosse para removê-los!

Mas não, apenas
– Carga excessiva para frágeis ombros –
futucar  cinzas, expor brasas,
cumprir impostas penas...

Masoquistamente.


***

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Descendo a calçada

Descendo, atoa, a calçada:
A vizinha varre o passeio
e me deseja bom dia.

Nada muda;
Eu continuo descendo a calcada,
ela varrendo a rua,
não e iniciado um bom dia,
a vizinha é infeliz
e eu estou infeliz.

Mas eu continuo descendo a calcada,
porque descer é preciso,
assim como é preciso navegar,
é preciso atravessar mares e mar.

Na esquina, alguém
me convida para um café.
Tudo bem,
eu tenho fé,
eu posso tomar um café
no balcão da esquina,
e discutir Pelé.

Bom jogador.

Melhor do que ele
só aquela menina...
Como ela se chama?

Não interessa.
o que interessa
são as barganhas,
sobrevive quem ganha.

Quanto a mim?

Continuo descendo a calçada...

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Quintana: O berço e o Terremoto



 (Mário Quintana)


Os versos, em geral, são versos de embalar, como eu às vezes os tenho feito, não sei se por simples complacência… ou pura piedade.
 
Contudo, os verdadeiros versos não são para embalar – mas para abalar.

Mesmo a mais simples canção, quando a canta um Camela Lorca, desperta-te a alma para um mundo de espanto.

***

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Pablo Neruda: Poema 20

(Pablo Neruda)

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e piscam, azuis, os astros, ao longe”.

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis, e às vezes ela também me quis.

Nas noites como esta,  tive-a entre meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me desejou, e às vezes eu também a desejava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se conforma por havê-la perdido.

Como que para aproximá-la, meu olhar a procura.
O meu coração a procura, e ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a desejo, é verdade, mas como a desejei…
Minha voz buscava o vento para tocar seu ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a desejo, é verdade, mas talvez a deseje…
É tão curto o amor, e tão longo o esquecimento…

Porque em noites como esta tive-a entre meus braços,
minha alma não se conforma por tê-la perdido.

Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que eu lhe escrevo.


***

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Natal em família

Calor. Muito calor. E então ebulição. E então convecção. Essa é a sedenta atmosfera natalina nas mitológicas Lavras, por serem muitas réplicas; ou Sarval, como diriam certos espíritos brincalhões - latitude 21° 14' 43 sul, longitude 44° 59' 59 oeste, e altitude de 919 metros; nossa própria Dublin, nossa própria Davos-Platz, nossa própria São Petersburgo; nossa própria Jerusalém... O mesmo sangue que se espalha e que se dissipa e que povoa a Terra; sangue de um mesmo povo que avança festivo pelas distantes bordas da nossa esteira leitosa. Como a voz sóbria, sábia e rigorosa em seu amor de nossos memoriosos patriarcas; humanos igualmente; que sempre confiaram na providência, e que sempre zelaram pelos seus, e que sempre rezaram; que outrora (num tempo que uno é sempre o mesmo e que cíclico é sempre presente – como as coisas que embora ainda não tenham sido, por virem a ser um dia inexoravelmente, já o são agora mesmo) diziam coisas sobre o mundo que então não sabíamos e que hoje servirão de bússola e de guia aos expatriados desse mundão-vasto--véio-e-sem-porteira-de-Nosso-Senhor. São lembranças e retratos esmaecidos espalhados pelas paredes e pelas porteiras decrépitas e pelos cochos em ruínas; são repetições do mesmo sentimento tomando o espaço dos armários, das sapateiras e das antigas penteadeiras, agora tomadas de mofo e de cupim. São lindas crianças saudáveis e lacrimosas que despertam a promessa da continuidade e da passagem leve e inexorável do tempo – seta que teimosa é sempre para frente e sempre constante e invariável. Ahá! Eis aí um bom paradoxo. Haverá, nesse ambiente de emoções múltiplas e intensas, tanto sonatas e melodias caipiras, algumas em ode a certos causos desajuizados e que podem facilmente servir de carapuça ao mais desavisado: “Cabeça que não tem juízo, o corpo paga...”; como riffs de Jimi e “Gimme back my bullets” e “Well I’ve been down so God damn low”; com os exaltados Buendías clamando “ahuuuuu texugão!” e outros impropérios a semelhança daqueles brados do dadivoso Rei Davi; com os passionais Tenenbaums marulhando em suas confusões inocentes e recorrentes, tudo em nome de sua idiossincrasia irreplicável de um Tio Vânia. Ora, famílias são incubadoras, são aceleradoras de partículas, de modo que haverá também tardes nas represas e nas quedas d’água das Minas Gerais. Haverá noites enluaradas e haverá noitadas regadas à folia e bom humor. Haverá falta e haverá excesso. Haverá prosas encantadoras e haverá belos conselhos, como haverá regateios infelizes e diz-que-me-disse e haverá de tudo e de todos os lados nessa bela multiplicação da espécie; posto que comparações são odiosas – como diriam Cervantes e Kerouac. E como são dois os ouvidos: escutai, oh filhos de seus Destinos! Escutai e dizei ao menos a metade do que escutas, na proporção dos Dons que lhe foram sugeridos. E dizei palavras boas para que boas sejam as colheitas e as promessas e tudo aquilo que te regressa no amor que pelo outro também nutre. Aleluia! Sarava! Salamaleico, irmãos. “Sois igualmente vazios; igualmente a serem amados; igualmente budas que estão por vir” – como prega a boa pérola zen. Amém!

sábado, 5 de janeiro de 2013

Ditos

Se seu tivesse 20 ou 40, não estaria nem aí,

mas hoje cabe, ah se cabe....

"Envelhecer é inexorável, ficar velho é opcional..."

Gosto desta também,

"Deixa arder..."

Para mim o autor dessa é o Betão. Deixa arder... Equivalente ao foda-se? Vontade de deixar que tudo se exploda, se foda...Se arda?

Essa fez parte de minha vida:

"Passarinho que acompanha morcego, amanhece de cabeça para baixo...".

Já fui passarinho e já fui morcego e até hoje não sei que sou. Talvez morcego, talvez...

Educação. Papai me ensinou, educação com dois S's:

"Severo e suave...".

Mais uma de meu pai:

"Seja educado, mas não seja frouxo...".

Nem sempre educado, nem sempre suficientemente forte, mas nunca frouxo. Quem se acovarda tem a bosta da vaca como travesseiro.

"Cochila não, o cachimbo cai e você não sabe o que vem por traz.".

Sei lá quem disse isso. Eu não...Fiquem quem disse e quem ouviu, em paz.

Uma de mamãe:

"Tropeçar, todos tropecam. Mas, por favor, nao tropecem num cascalho...".

Estou aqui, fazendo de um tudo para ser maior do que os cascalhos.

E é assim, digam outras quem tiver mais...


sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Se é que há depois...



Vamos fazer o seguinte:
Não peças mais por mim.
Já passei da idade
de disputar tudo e tanto assim.

Saúde?
De aqui para frente,
eu sei e tu sabes,
será sempre assim:
Um dia mal,
outro melhor,
outro menos pior...

Portanto, não te preocupes,
hoje estou ótimo,
e, se não estivesse,
não estaria escrevendo
o que agora escrevo,
portanto, sem desespero...

Nada a preocupar.

Tudo bem.
Se insistes em por mim pedir,
peças, então, que eu morra bem,
que seja doce meu fim,
sem que ninguém me maltrate
e sem que a ninguém eu maltrate,
nem fisíca, nem moralmente.

Se queres pedir, tudo bem,
peças então,
que me vejam com o coração,
que me vejam, quem me ama,
eu lá em minha moribunda cama
me divertindo, sabendo que vou
desta para melhor
sem deixar irreparável dor,
mesmo porque nao existe
irreparável dor.

Atentes pois, que
se é inevitável morrer
- e é bom que seja inevitável morrer,
e melhor ainda é que eu saiba disso... -
peças que eu vá feliz
acreditando que vivi
e que a fiz viver
e, principalmente, que a fiz feliz.

Ore agora,
por hora,
é tudo que  basta,
se é suficiente, saberemos depois,
se é que haverá depois...


***